A 20 de Maio de 1498 Vasco da Gama fundeou próximo de Calecute. Concretizava-se o sonho de alcançar a Índia, perseguido por alguns monarcas e parte da elite dirigente de um país pobre, periférico e com cerca de um milhão de habitantes. A viagem de Gama é o culminar de uma persistência estratégica e de uma visão prospectiva que impressiona pela tenacidade e pela capacidade tecnológica e científica acumulada, no âmbito da cosmografia, da cartografia, da náutica, da construção naval e do armamento, ao longo de mais um século.
Nada ficou igual depois da viagem. O Atlântico uniu-se ao Índico e deu-se um grande passo para uma economia mundial globalizada. Desfizeram-se mitos, ruiu a concepção de Ptolomeu, segundo a qual o Índico era um mar fechado, alargaram-se os horizontes geográficos e a diversidade de culturas e povos, pulverizou-se o saber greco-latino.
O império do Oriente teve vida efémera, apesar do talento revelado por vice-reis como Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque para lançar as suas bases de domínio assente na força militar. Ambos perceberam a importância do poder marítimo, embora com abordagens diferenciadas, e procuraram fortalecê-lo de forma a proteger as feitorias, a controlar as rotas comerciais e os reinos costeiros, bem como o acesso ao Golfo Pérsico e ao Mar Vermelho, como tentou Albuquerque.
Dificilmente se encontra um momento tão importante de viragem e choque civilizacional, promovido por um número tão escasso de protagonistas que se revelaram capazes de mudar o curso da História.
Os objectivos que levaram os portugueses a lançar-se na aventura oceânica eram deveras heterogéneos, entre os quais, a fuga à influência de Espanha, o comércio de escravos, a atracção pelo desconhecido, o desejo de enriquecimento com o comércio asiático, através da pimenta e de outras especiarias, para além da vontade de prosseguir um espírito medieval de cruzada.
O período fica marcado por inúmeras violências e saques, batalhas cruéis, mas também pelo intercâmbio civilizacional que gerou novos hábitos e costumes, um comércio regular entre o Ocidente e o Oriente, a miscigenação e um alargamento da visão da natureza e do mundo, a par da criação de uma original literatura científica e de viagens, hoje caída no esquecimento.
Escrito de acordo com a antiga ortografia
(Artigo publicado na edição de 16 de maio de 2019)