As gerações que viveram o 25 de Abril como uma aurora libertadora e de esperança vão lentamente desaparecendo. A ditadura, a PIDE, a censura e a guerra colonial são de um tempo que, cada vez mais, muitos não viveram nem guardam memória. Um tempo reduzido a meia dúzia de páginas inscritas nos manuais de História que se estudam a pensar no próximo teste de avaliação, para depois se esquecer e apenas viver como mais um feriado.
Costuma dizer-se que a democracia representativa está consolidada, mas demasiados olham para o estado do País e expressam desencanto. Interrogam-se sobre os sinais que corroem a vida pública, a confiança nos políticos e nas instituições. Receiam pelo futuro.
Não é nada ainda irreversível, mas é um mal-estar que se respira e leva a questionar se as coisas têm de ser assim, vivendo-se um dia de cada vez, envolto nos mais diversos escândalos.
Não se pode rejeitar a crítica nem a reflexão sobre o tempo decorrido e os vícios que o sistema representativo e a prática política foram acumulando. Continuamos pobres, marcados por injustiças gritantes. A liberdade não permitiu a muitos gozar os seus benefícios nem os tirou da carência, amarrados a um quotidiano que parece não ter fim. A antigas desigualdades somaram-se outras, enquanto uma pequena elite usufruiu do Estado e dele colheu as vantagens da promiscuidade com as relações clientelares e o mundo dos negócios.
Somos um País frágil e fortemente dependente do exterior, perdeu-se o significado da palavra soberania e da expressão “interesse nacional”. Vogamos entretidos com as pequenas coisas e quase tudo o que é importante fica por debater e analisar. Vive-se uma liberdade de serviços mínimos, onde, de novo, começa a ser mal visto expressar opinião crítica ou apenas diferente sobre as práticas partidárias, o exercício do poder e a vacuidade do discurso reinante. A política voltou a ser um mundo à parte, distante do comum cidadão e dos jovens que lhe viram as costas.
Portugal mudou para melhor, mas seria lamentável se não houvesse capacidade para corrigir os erros cometidos, enfrentar os novos desafios, restaurar a confiança e construir um País condigno e límpido, à altura da generosidade dos que lutaram e se sacrificaram em nome da liberdade.
Escrito de acordo com a antiga ortografia
(Artigo publicado na edição de 25 de abril de 2019)