“Se a tática do regime de Putin vos é estranha, então não têm estado atentos”. A frase pertence a Quentin Sommerville, um dos jornalistas de guerra mais experientes da BBC. Proferiu-a recentemente enquanto caminhava sobre os destroços provocados por mais um bombardeamento russo na cidade ucraniana de Karkhiv.
Como prenúncio das intenções imperialistas de Moscovo, o jornalista mencionava a operação militar russa na Síria, a ofensiva na Geórgia, a perseguição a russos exilados e a anexação da Crimeia.
Quando na madrugada de 24 de fevereiro – há precisamente um mês – a Ucrânia é invadida, os líderes dos países europeus não podem dizer-se surpreendidos. Podem, sim, dizer-se atraiçoados. É que, não obstante as anteriores investidas de Putin, muitos países mantinham uma forte dependência face ao gás e petróleo da Rússia e os oligarcas daquele país tinham em Londres e noutras praças um lugar seguro para “lavar” e guardar o seu dinheiro.
Os ucranianos estão há um mês a ser vítimas da brutalidade de um tirano, mas estão também a ser vítimas da complacência e hipocrisia das democracias ocidentais.
Agora, não basta chorar a ouvir as notícias. Sendo fundamental e prioritário, também não basta ser solidário. É preciso mais para fazer emergir desta guerra uma Europa fiel aos ideais da liberdade e da democracia.
Se a invasão à Ucrânia vai gerar uma nova ordem mundial, que possa ser repensada a forma como as democracias ocidentais se relacionam com as autocracias que não falam a linguagem da liberdade nem do respeito pela vida humana.
Estes são os valores supremos aos quais nada se pode sobrepor. Não é possível apregoá-los no plano social e político e esquecê-los no domínio económico. Há que ser coerente.
Só assim, sem hipocrisias, será possível, um dia, levar Putin a ser julgado e condenado pelos crimes hediondos que está a cometer.
O mundo, e em particular as vítimas desta guerra, precisam de ver essa imagem de condenação. Se nos ficarmos pelo retrato de um genocídio impune, podemos afirmar – fazendo uso das palavras do comunista José Saramago – que “saberemos cada vez menos o que é um ser humano”.